A primeira vez que vi Anderson Fonseca foi em setembro de 2004, logo que me mudei para o Funcionários. Durante todo esse tempo, nunca tive vontade ou oportunidade de conversar com o cara que fica na praça em frente ao meu prédio quase todas as noites. A única coisa que sei sobre ele é que a maioria dos meus vizinhos e os moradores do prédio ao lado tentam tirá-lo dessa praça há anos. Essas pessoas não gostam da presença de Anderson. Ele é um dos travestis que ficam na esquina da minha rua com a Avenida Afonso Pena fazendo programa. Enfim, em uma noite, voltando para casa, resolvi conversar com Anderson:
- E aí, posso bater um papo com você?
- Claro, gato. O que você quer fazer?
- Nada de especial, vamos conversar.
- São 30 reais - no carro, ou no motel.
- Não, eu não quero transar com você.
- Uai! Então, o que vamos fazer?
- Já te disse. Vamos conversar. Quero saber um pouco da sua vida.
“Ihhh, gente! O gatinho aqui quer conversar comigo. Quer saber da minha vida! O que vocês acham?”, perguntou Anderson a seus colegas (ainda não me acostumei com qual artigo definir o pessoal. Seus colegas ou suas colegas?). Acho que dei sorte. Como era fim de noite e estava muito frio, a Afonso Pena estava vazia e parecia que eles não teriam muitos clientes naquela noite. As meninas (?) disseram para Anderson conversar comigo. Disse a ele que poderíamos ir ao bar do Bigode, que eu pagava uma cerveja pra ele enquanto conversávamos (esse bar fica em frente à minha casa, do outro lado da Afonso Pena).
Ele topou e fomos tomar umas e “bater o papo” que sugeri a ele. Toninho, o Bigode, me encarou e começou a rir (na primeira oportunidade, perguntou: “Uai, trocou de namorada?”). Não dei bola e continuei no bar tomando uma cerveja e conversando com Anderson.
Acho que já é hora de apresentar Anderson a vocês : nascido em 1975 em Claro dos Poções (Norte de Minas), me disse que desde a infância sabia que era uma menina. Não me lembro se essa foi a primeira coisa que me disse, mas achei interessante. Uma das coisas que me lembro e foi o meu primeiro fora:
- Faz muito tempo que você é travesti? (Como se isso fosse uma profissão)
- Eu não sou travesti, gatinho. Eu não sou um homem que se veste de mulher. Sou uma mulher no corpo de um homem.
- Então você é transexual.
- Claro! Mas não sou operada. Ainda tenho o meu pau.
A partir daí, a coisa complicou – como eu não tinha a menor intimidade com um transexual (ou travesti, seja lá o que for), fiquei sem assunto. Resolvi então, perguntar sobre sua infância. Anderson me disse que com uns sete, oito anos já tinha dado pra quase todos os meninos da cidade. Quando não quis transar com um primo (que segundo ele era a paixão da sua vida) foi dedurado para a família. “Apanhei demais do meu pai e dos meus irmãos mais velhos. Meu pai não podia admitir que eu saísse dando pra toda cidade. Não me lembro da minha mãe pedir para ele parar, mas ela sempre foi boa comigo”.
Depois dessa surra, Anderson me disse que a única coisa que pensava era em sair de Claro dos Poções. Seu sonho era ir para o Rio de Janeiro, mas, como tinha um primo que morava em Belo Horizonte, veio para cá aos 14 anos. “Quando me mudei pra cá, minha vida mudou totalmente. Meu primo me recebeu muito bem, mas acho que já sabia que todo mundo de Claro me comia, porque me comeu os quatro anos que morei com ele”.
Aos 19 anos, Anderson arranjou um namorado e foi morar com ele. Me disse que quando seu primo ficou sabendo, bateu tanto nele, que teve que parar no hospital. Me mostrou uma cicatriz enorme no braço. “Tá vendo? Foi meu primo que fez isso”.
O namorado de Anderson era 20 anos mais velho que ele o tratava muito bem. Sempre levava presentes para ele, mas nunca o apresentou para a família. “Ele era mecânico de uma empresa de ônibus e tinha vários irmãos. Dizia que se me apresentasse pra sua família, nunca mais poderia vê-los”. Fiquei sabendo que foi com Rafael, seu namorado, que Anderson começou a se vestir de mulher. “Sempre fui uma mulher, mas não me vestia de menina, achava ridículo. O Rafael sempre levava calcinha, sutiã, saia, batom – essas coisas – pra mim. Sempre que a gente fodia, pedia pra eu vestir e como eu era apaixonada por ele, usava”.
Depois de cinco anos de namoro, um vizinho de Rafael contou para seus pais que ele namorava um “viado”. “Apanhei de uns cinco. Dos pais e dos irmãos dele. Mas eles também apanharam. Eu sou magra assim, mas sou forte, gato”. Depois da surra, Rafael expulsou Anderson de casa.
“Foi aí que eu tive que começar a trabalhar, gatinho. Até meus 24 anos, tive vida de rainha. Estou na vida faz oito anos. Comecei lá na Pedro II, mas lá só tem bicha pobre. Aqui na Afonso Pena, as bichas são ricas e me tratam bem. Quando alguma tenta me sacanear, eu fodo com ele. Roubo celular, carteira e o que mais puder. Eles não vão fazer nada, não vão deixar que os filhos e a mulher descubram”.
Ainda não tinha dito a vocês, mas o “nome de guerra” de Anderson é Karina. Ela já faz programa há mais de oito anos e é viciada em cocaína. Conversamos até quase quatro horas da manhã, mas não prestei muita atenção na história dela. Achei as histórias de Anderson mais interessantes. Me ofereceu um boquete de graça, mas preferi pagar mais duas “saideiras”.
- E aí, posso bater um papo com você?
- Claro, gato. O que você quer fazer?
- Nada de especial, vamos conversar.
- São 30 reais - no carro, ou no motel.
- Não, eu não quero transar com você.
- Uai! Então, o que vamos fazer?
- Já te disse. Vamos conversar. Quero saber um pouco da sua vida.
“Ihhh, gente! O gatinho aqui quer conversar comigo. Quer saber da minha vida! O que vocês acham?”, perguntou Anderson a seus colegas (ainda não me acostumei com qual artigo definir o pessoal. Seus colegas ou suas colegas?). Acho que dei sorte. Como era fim de noite e estava muito frio, a Afonso Pena estava vazia e parecia que eles não teriam muitos clientes naquela noite. As meninas (?) disseram para Anderson conversar comigo. Disse a ele que poderíamos ir ao bar do Bigode, que eu pagava uma cerveja pra ele enquanto conversávamos (esse bar fica em frente à minha casa, do outro lado da Afonso Pena).
Ele topou e fomos tomar umas e “bater o papo” que sugeri a ele. Toninho, o Bigode, me encarou e começou a rir (na primeira oportunidade, perguntou: “Uai, trocou de namorada?”). Não dei bola e continuei no bar tomando uma cerveja e conversando com Anderson.
Acho que já é hora de apresentar Anderson a vocês : nascido em 1975 em Claro dos Poções (Norte de Minas), me disse que desde a infância sabia que era uma menina. Não me lembro se essa foi a primeira coisa que me disse, mas achei interessante. Uma das coisas que me lembro e foi o meu primeiro fora:
- Faz muito tempo que você é travesti? (Como se isso fosse uma profissão)
- Eu não sou travesti, gatinho. Eu não sou um homem que se veste de mulher. Sou uma mulher no corpo de um homem.
- Então você é transexual.
- Claro! Mas não sou operada. Ainda tenho o meu pau.
A partir daí, a coisa complicou – como eu não tinha a menor intimidade com um transexual (ou travesti, seja lá o que for), fiquei sem assunto. Resolvi então, perguntar sobre sua infância. Anderson me disse que com uns sete, oito anos já tinha dado pra quase todos os meninos da cidade. Quando não quis transar com um primo (que segundo ele era a paixão da sua vida) foi dedurado para a família. “Apanhei demais do meu pai e dos meus irmãos mais velhos. Meu pai não podia admitir que eu saísse dando pra toda cidade. Não me lembro da minha mãe pedir para ele parar, mas ela sempre foi boa comigo”.
Depois dessa surra, Anderson me disse que a única coisa que pensava era em sair de Claro dos Poções. Seu sonho era ir para o Rio de Janeiro, mas, como tinha um primo que morava em Belo Horizonte, veio para cá aos 14 anos. “Quando me mudei pra cá, minha vida mudou totalmente. Meu primo me recebeu muito bem, mas acho que já sabia que todo mundo de Claro me comia, porque me comeu os quatro anos que morei com ele”.
Aos 19 anos, Anderson arranjou um namorado e foi morar com ele. Me disse que quando seu primo ficou sabendo, bateu tanto nele, que teve que parar no hospital. Me mostrou uma cicatriz enorme no braço. “Tá vendo? Foi meu primo que fez isso”.
O namorado de Anderson era 20 anos mais velho que ele o tratava muito bem. Sempre levava presentes para ele, mas nunca o apresentou para a família. “Ele era mecânico de uma empresa de ônibus e tinha vários irmãos. Dizia que se me apresentasse pra sua família, nunca mais poderia vê-los”. Fiquei sabendo que foi com Rafael, seu namorado, que Anderson começou a se vestir de mulher. “Sempre fui uma mulher, mas não me vestia de menina, achava ridículo. O Rafael sempre levava calcinha, sutiã, saia, batom – essas coisas – pra mim. Sempre que a gente fodia, pedia pra eu vestir e como eu era apaixonada por ele, usava”.
Depois de cinco anos de namoro, um vizinho de Rafael contou para seus pais que ele namorava um “viado”. “Apanhei de uns cinco. Dos pais e dos irmãos dele. Mas eles também apanharam. Eu sou magra assim, mas sou forte, gato”. Depois da surra, Rafael expulsou Anderson de casa.
“Foi aí que eu tive que começar a trabalhar, gatinho. Até meus 24 anos, tive vida de rainha. Estou na vida faz oito anos. Comecei lá na Pedro II, mas lá só tem bicha pobre. Aqui na Afonso Pena, as bichas são ricas e me tratam bem. Quando alguma tenta me sacanear, eu fodo com ele. Roubo celular, carteira e o que mais puder. Eles não vão fazer nada, não vão deixar que os filhos e a mulher descubram”.
Ainda não tinha dito a vocês, mas o “nome de guerra” de Anderson é Karina. Ela já faz programa há mais de oito anos e é viciada em cocaína. Conversamos até quase quatro horas da manhã, mas não prestei muita atenção na história dela. Achei as histórias de Anderson mais interessantes. Me ofereceu um boquete de graça, mas preferi pagar mais duas “saideiras”.
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